Minha mãe não era convencional
7 de Maio de 2021
Maria Eugênia detestou meu vestido de noiva e me encarou feio durante horas antes do meu casamento; também ficou meses sem falar comigo quando eu entrei numa faculdade que não lhe agradou (a propósito, não durei 2 meses naquela universidade); em torno dos seus 60 anos resolveu experimentar maconha e, claramente já com seu humor alterado, insistia em dizer que não fez efeito (!). Ela também fez uma tatuagem na nuca pra homenagear netos, filhos e bichos de estimação; não cozinhava bem, mas se esforçava pra chuchu só pra eu levar marmita caseira pra São Paulo; ah, e tirava sarro do meu nariz e me fazia assistir filmes de terror desde pequenina só pra gente morrer de medo grudadinhas no sofá.
A lista é infinita e a cada recordação meu coração se expande ao passo em que se encolhe de tristeza. Às vezes, parece que sinto pena de mim mesma, assim como sinto pena dela, por ter partido num momento em que a vida ainda se revelava à sua frente com inúmeras possibilidades e surpresas. Que dissabor não poder vê-la envelhecer, de cabelos grisalhos e sabe-se lá com quantos cachorros resgatados sua casa já teria! E colocá-la num avião pra me visitar em Amsterdã? Nossa, que aventura seria!
O temperamento eloquente e por tantas vezes desequilibrado da minha mãe conflitava sempre com o meu; hoje realizo como somos parecidas em tantos aspectos. Grata que sou, eternamente, por ter aprendido a importância da honestidade e de enxergar beleza no simples, de buscar ser mais simples, tal qual enxergo meu estilo de vida na Holanda, fiel à minha essência e valorizando muito mais o imaterial. Minha mãe me apontou esse caminho.
Apesar das memórias tão alegres e singelas, todo dia, sem exceção, sinto uma pontada de tristeza pela perda dos meus pais. Às vezes a pontada se transforma num buraco, dentro do peito, corroído por uma sensação de melancolia ou solidão, quando não aquele nó na garganta.
Não perdi meus pais quando criança e tampouco me abandonaram; ainda assim, me sinto órfã. Como se eu tivesse sido arremessada ao mundo pra nunca mais ter aquele colo de conforto inigualável, incomparável, que somente um pai ou uma mãe podem proporcionar.
A chegada do Dia das Mães nunca agravou minha tristeza, pois esta é inerente a qualquer condição; porém, algo mais profundo me toca este ano e talvez seja mesmo essa sensibilidade à flor da pele em todos nós, frente à batalha contra a pandemia, intensificada pelas vidas de entes e amigos queridos que tem partido. Sinto muito por todos que hoje enfrentam o luto.
Posso afirmar que não é nada simples lidar com a certeza de que nunca mais terei aquele abraço, aquelas palavras assertivas de que tudo vai ficar bem, o toque da pele ao fazer carinho em mim, o sorriso ao me reencontrar depois de uma viagem, o amor incondicional que só e tão puramente existe de mãe e pai para filho. Mas tudo isso só existiu porque esse amor era grande demais e nada pode tirá-lo de mim. Eu sei o quão amada fui.
A todos os filhos ou mães que lêem esta mensagem: do fundo do meu coração, que este domingo e tantos outros momentos sejam imensamente especiais pra vocês. Nada, mas nada é mais grandioso que esse laço, visceral e essencial e tão natural quanto o ar que a gente respira.