O fardo do workaholic
24 de Maio de 2021
Finalmente entendo por que me sinto desconfortável durante feriados. Desde que me tornei empresária, de alguma forma parei de me sentir em harmonia com aquela preguiça merecida, geralmente implícita nessas datas, como se elas não fossem feitas para mim (e para mais ninguém que por acaso esteja no comando de seus próprios negócios!).
Em 2011, decidi correr riscos e, graças ao incentivo fundamental da minha cara-metade, me tornei meu próprio patrão. Foi bom; ainda é; mas machuca. Desde então, não há feriado sequer que não venha com uma estranha sensação de não ter o direito de me permitir aproveitar o que devo: ou seja, não trabalhar.
Agora percebo, depois de morar por mais de um ano em Amsterdã, que mesmo aqueles que cuidam de uma empresa no país, não demonstram desconforto e naturalmente transmitem uma capacidade natural de aproveitar feriados: eles se dão sim o tempo necessário para apreciar os supostos dias livres. Há exceções, porém, conforme aponta uma amiga holandesa: "Pode depender também se houver um prazo envolvido ou se o ambiente é competitivo, bem como da ética ou joie de vivre de cada um".
Ao mesmo tempo, tudo se resume, pela minha percepção pessoal, ao estilo de vida holandês: não há necessidade de ser um workaholic; não é o trabalho que define o homem, mas o contrário. Afinal de contas, não há mal nenhum em relaxar um pouco, como bem se vê no admirável comportamento de trabalho holandês: eles trabalham para viver, o que é exatamente o oposto de, digamos, os EUA, onde as pessoas vivem para trabalhar. A relação trabalho-vida está muito mais em harmonia entre os holandeses.
Impossível comparar esse etos com o do Brasil, meu país natal. Principalmente em centros financeiros, como São Paulo, onde morei 20 anos, sempre tive a impressão de que carregávamos uma espécie de fardo. Quando se trata desse peso, aliás, os proprietários são os que mais sofrem, acredito. Os impostos são ultrajantes e não há nada em troca; o esforço do empreendedor nunca é encorajado ou apoiado pelo sistema; não há como confiar no governo e todos estão por conta própria. É um círculo tóxico sem fim. Eu não culparia a cultura de trabalho do Brasil pela forma como foi moldada. Que outra escolha existe? Os empresários brasileiros (com isso também quero dizer autônomos e freelancers) devem ser elogiados e aplaudidos. Eles são lutadores; mas suas aflições são realmente altas.
Tenho carregado essa carga mesmo depois de me mudar para Amsterdã; parece que essa culpa em não me permitir usufruir de um dia livre ainda está dentro de mim. No entanto, percebo que está mais do que na hora de mudar esse padrão. A propósito: hoje não é apenas segunda-feira de Pentecostes na Holanda, mas também o último feriado do ano, até 25 de dezembro. Pela primeira vez parece que me sinto mais próxima de conseguir quebrar um velho hábito e me conceder permissão para aproveitar o que é devido àqueles que trabalham arduamente.