Voyeurismo em Amsterdam: o peep show por trás das janelas holandesas
A Holanda é um país sem vergonha onde o interior das casas é amplamente compartilhado como um livro aberto. Tal qual uma narrativa minuciosa, o cotidiano das famílias se revela para a curiosidade de qualquer um: claro, desde que alguém esteja prestando atenção. A propósito: eu estou. Sempre.
Não que eu tenha orgulho disso, pelo contrário! Dá até um certo constrangimento só de mencionar. Mas esse impulso de manter uma vigilância secreta sobre a privacidade alheia é algo do qual não consigo evitar. Você consegue?
Pensando bem, não devemos nos sentir culpados por isso. Não é que eu saio da minha casa bisbilhotando pelas ruas, mas sim, é algo que está lá, transparente, na minha cara, convidando a dirigir o olhar para dentro. Até chego a supor que as janelas holandesas revelam um quê de depravado.
Afinal, se as pessoas não querem ser vistas, por que viveriam de forma tão escancarada?
Liberais e pragmáticos
Holandeses afirmam não terem nada a esconder. O que remete ao fato das camadas da sociedade serem tão igualitárias. Mesmo a limitação de espaço pode ser motivo suficiente para os moradores se tornarem tolerantes com a vida dos outros. O que também invoca o lance da Holanda ser uma nação liberal cuja maior parte de sua população é considerada "direta e reta" e independente: características comumente associadas ao Calvinismo, uma forma de protestantismo instilada na sociedade moderna. Por causa dos calvinistas, por sua vez, a Holanda é um país protestante desde o século 16, quando rompeu com a Igreja Católica Romana. No entanto, o holandês está longe de ser um religioso fervoroso.
Não podemos esquecer a lamentável ausência de luz solar que provavelmente obrigou aos arquitetos projetarem o máximo de fenestras possível: muitas das propriedades do século 19 foram construídas com pequenos cômodos ao redor de um grandão (a sala de estar), cujos lados opostos são abertamente voltados ao mundo externo.
Aliás, se você é engenheiro, designer ou apenas curioso por natureza e acabou de imaginar uma planta baixa, essas casas são conhecidas como Doorzonwoning (traduzido grosseiramente como "residência translúcida").
Essas circunstâncias, juntas, talvez justifiquem algo tão intrínseco, desde o princípio, à cultura holandesa. Não me admira saber que o Big Brother foi inventado por eles...! Sim, se você não sabia desse fato, digo mais: após 14 anos de hiato o reality show acaba de voltar a ser transmitido na TV local. Posso garantir, no entanto, que a versão holandesa não tem nada a ver com a brasileira, eloquente e polêmica a ponto de virar o assunto do momento (meus amigos que assistem ao Big Brother Brasil vão entender!).
Prazer com culpa
Depois de entrevistar vários holandeses e estrangeiros de diferentes gerações e origens, ao menos 95% confessaram serem fascinados, de alguma forma, quando se trata de dar uma espiada dentro da casa dos outros: mesmo que alguns deles às vezes tentem reprimir esse comportamento instintivo. Mas todos deixaram claro que não se deve confundir observar com encarar, o que seria indecente, certo?! Outro aspecto em comum, em suas falas, foi dizer que os holandeses, em geral, não se importam em serem vistos enquanto suas cortinas estiverem abertas.
E por falar em cortinas, aposto que aquelas do infame Distrito da Luz Vermelha (Red Light District) estão passando pela sua cabeça. Como também aposto que se você já veio a Amsterdã há grandes chances de seu par de olhos não ter acreditado que aquelas janelas vivas eram reais, quando estava frente a frente com elas pela primeira vez. Estou certa?
Bem, apesar de muitos moradores de Amsterdã considerarem esta parte histórica e autêntica da cidade desprezível, eu realmente espero que ela não perca sua essência pitoresca (há um projeto de lei em discussão que visa mudar permanentemente o caráter do Centro da cidade, incluindo a remoção das prostitutas e a proibição de turistas em coffeeshops. Vou guardar isso para outra matéria, no entanto).
Bom, é um alívio saber que tantas pessoas nutrem, assim como eu, esse hábito meio descarado que eu talvez prefira chamar de espreitadela. É por isso que não me importo quando vejo meus vizinhos interessados em meus asanas de yoga matinais. Ou quando eles tentam fingir que não me percebem dançando contra o baixo astral e as vibrações negativas do Corona. Embora eu pretenda manter esse hábito viciante de bisbilhotar inocentemente os arredores, prometo que em nome do voyeurismo cortês minhas cortinas permanecerão abertas. Justo. Mas só até a hora do pijama.