My Last Drink com o ilustre bartender Bolinha

"Nordestino é assim: vem pra São Paulo, mas depois tem esse sonho de voltar", me disse o carismático Walter Bolinha, logo no começo de nossa conversa, sobre seu desejo de voltar à sua terra Natal na Paraíba. Se todos tivessem o prazer de conhecer esse bartender da pequenina cidade histórica Areia, à frente do elegante Baretto há quase duas décadas (e trabalhando na casa há mais de 20), entenderia o que digo: Bolinha é uma das pessoas mais humildes e respeitosas do mundo da coquetelaria e da hospitalidade. Quatro anos atrás uma rasteira a vida lhe passou, quando descobriu um câncer no estômago, que por sua vez o tirou do trabalho por vários meses e lhe fez - até hoje - repensar o que realmente importa. Como Bolinha mesmo disse: "Quero aproveitar bem essa segunda chance de vida".

É muito raro ver um profissional como Bolinha, hoje em dia, trabalhando há tanto tempo no mesmo lugar. Muitos podem considerar como tempo excessivo - ou perda de - eu já considero, neste caso, uma virtude: isso lhe permitiu reunir tantas e tantas histórias no seu balcão do Baretto, madrugadas intermináveis, escutando as mazelas, diversões e confissões de clientes tão ilustres quanto anônimos, que segundo ele podem virar quadros de memórias para decorar seu futuro bar. Do Baretto Bolinha acha que sai direto para o balcão do seu próprio bar que terá alma e estética rústicas, como ele mesmo define. Onde poderia receber amigos, contar suas histórias e aventuras pela cidade grande, e ganhar um dinheirinho que servisse pra viver de forma simples.

Sua humildade o faz, inclusive, reverenciar um colega de trabalho bem mais jovem que ele: Kennedy Nascimento. A mesma que o faz explicar seu paladar descomplicado para drinks. E ainda a mesma que não se apropria do que a clientela tanto exalta sobre seu famoso Dry Martini ser, possivelmente, o melhor de São Paulo. Embora tenhamos passado quase 01 hora ao telefone num papo agradabilíssimo, não chegamos nem perto de falar sobre isolamento e quarentena - que alívio, devo desabafar, conversar com alguém ultimamente e poder falar sobre outros diferentes assuntos e ainda dar risada quando Bolinha carinhosamente fala do seu Rogerio - o mesmo, cujo sobrenome Fasano, Bolinha nunca tinha ouvido falar pouco antes de ser contratado. Neste momento, inclusive, Bolinha está bem ocupado com uma nova carta de drinks e tem estudado muito para se reciclar e resgatar clássicos antigões cheios de história que seus clientes degustarão em breve - clientes exigentes, sabemos.

Tenho certeza que quem ainda não teve o prazer de conversar ou o privilégio de ser servido pelo Bolinha, vai colocar seu balcão de bar na lista do primeiro lugar pra visitar depois de ler a íntegra da nossa conversa:

O bartender Walter Bolinha no bar Baretto do Hotel Fasano São Paulo

*Qual seria e onde você tomaria o Último Drink da sua vida?

No balcão do meu próprio bar. Esse é o sonho da minha vida: voltar à minha terra natal e abrir meu próprio bar na Paraíba, daqui alguns anos. Nordestino é assim: vem pra São Paulo, mas depois tem esse sonho de voltar. E devo voltar mesmo. Comecei a pensar muito na vida depois que adoeci... a vida passa tão rápido e depois disso comecei a idealizar esse retorno. Estava firme em São Paulo, mas depois dessa doença séria a gente começa a repensar nas coisas da vida. É um pouco difícil reorganizar tudo com família, mas minha esposa, meu filho de 11 e filhinha de 5 anos também só falam em ir pra Paraíba. Eles adoram os avós e querem estar mais perto. Minha esposa é da Chapada Diamantina, na Bahia, mas ela pensa também nessa possibilidade de morar de novo no Nordeste. Minha cidade tem em torno de 30 mil habitantes e chama Areia, é uma cidade histórica. Quero viver uma vida mais tranquila, mais calma. Mas voltando ao Último Drink da minha vida, nossa senhora, tem tantos drinks no mundo! Mas eu acho que escolheria a Caipirinha feita por mim mesmo ou um Old Fashioned que também gosto muito. Na verdade ficaria com a caipirinha mesmo, bebida raiz, com cachaça. E seria uma caipirinha de abacaxi que eu adoro! Outro bartender falaria Dry Martini e Manhattan, mas eu quero falar de Caipirinha. Já que é na Paraíba, não posso falar que vou beber um Dry Martini lá, né?! Inclusive, fiquei até assustado quando li a matéria que você fez com o Kennedy Nascimento e ele comentou que adora e escolheria Daiquiri (http://guidemeto.com.br/pt-BR/article/detail/my-last-drink-com-o-bartender-kennedy-nascimento), porque ele é um cara que entende e conhece tanto, mas citou um drink tão simples. E justamente como ele mesmo falou, não é tão simples assim! Achei isso muito interessante.

*E como seria o seu bar na Paraíba?

Seria bem pequeno com 10 ou 15 mesas, no máximo. Um bar rústico, gosto muito desse estilo com madeiras antigas, e nesse balcãozinho pequeno eu poderia contar minhas histórias e aventuras que vivi em São Paulo. Lá eu vou servir meus amigos e falar sobre coquetéis em geral já que nessa cidade pequenina as pessoas não tem muito acesso à coquetelaria; assim eu poderia levar e ensinar alguns drinks para esse público, quem sabe até dar um cursinho pra eles. E, claro, pra ganhar um dinheirinho e poder viver mais ou menos bem. É isso: servir amigos, contar histórias e viver. Pode até ser que nos finais de semana tenha música ao vivo com violão, de forma simples. Servir um petisco e uma pizza com drinks que funcionam para o público de lá, como caipirinha e talvez uma pina colada ou rabo de galo. Coquetéis mais simples. E para os amigos que conhecem mais de bebida e que viajarem pra me visitar posso servir uns mais elaborados como Negroni. Ah, e as pessoas no interior dão tudo pra tirar foto com alguém famoso, você sabe, como jogador de futebol, atriz, etc. Então talvez eu leve minhas reportagens e as fotos que já tirei com essas personalidades, que na verdade pra mim não quer dizer tanta coisa, mas para o pessoal do interior diz muito! Pode ser que eu monte uns quadros espalhados no bar com essas matérias e fotos e daí eu vou contar sobre as histórias com os famosos que conheci. O nome do bar talvez seja Boteco do Bolinha!

*Além de caipirinha de abacaxi, o que mais apetece seu paladar?

Eu tenho um paladar mais puxado para os doces, não sei porquê. Não gosto de drinks muito secos, eles não são meu forte, não! Sou mais dos doces e cítricos. Ah, e dos suaves também, até porque não posso tomar bebida tão forte. Old Fashioned eu adoro e Tom Collins também. Mas ultimamente tenho preferido e bebido mais cerveja. Mas tem que ser cerveja boa, né?! Brinco com minha esposa que ela não quer mais beber qualquer tipo de cerveja. Depois que me conheceu ela só quer tomar coisa boa!

*Como é seu hábito de beber, acaba sendo todos os dias?

Depois que fiquei doente esse hábito mudou muito porque não posso beber mais tanto assim. A bebida afeta muito meu estômago onde tive câncer. Então preciso beber com mais moderação e evitar bebidas fortes. Evitar mesmo, mas não tem jeito porque trabalho em bar. Minha profissão me obriga a experimentar e degustar sempre. Mas tenho que controlar. Sempre gostei muito de beber e fumar, mas tive que parar. Não é fácil, é um processo difícil. Você sabe, não é fácil fazer 01 ano de quimioterapia, fazer cirurgias, ficava pensando se ia dar certo ou não e por isso tenho que me precaver ainda mais. Com filhos pequenos comecei a rever vários hábitos da minha vida. Adorava beber, comer e fumar bastante... não tem coisa melhor! Sempre bebi praticamente todos os dias, não de beber muito até cair, mas no sentido de provar, abrir um vinho e experimentar toda hora. Isso acaba fazendo com que a gente consuma todos os dias. Mas infelizmente não posso mais. Quero aproveitar bem essa segunda chance de vida.

*O que você mais gosta de elaborar no bar?

Sinceramente essa parte quando o cliente fala para eu fazer qualquer drink e deixa nas minhas mãos é o que acho mais difícil e não gosto. Isso é muito pessoal e não gosto de escolher drink para o cliente. Mesmo que eu pergunte se ele gosta mais doce ou seco, cítrico ou não, não gosto muito desse comportamento de deixar nas minhas mãos. Prefiro quando o cliente fala: eu quero aquele de sempre. Assim eu me sinto mais à vontade.

Um bartender tem que gostar de qualquer drink e eu adoro fazer qualquer um. Só não gosto de fazer drink nos quais vá cremes, leite de coco... dão trabalho e sujam muito! No Baretto, o drink que mais sai, hoje, é Negroni, além de Old Fashioned, Moscow Mule e o Dry Martini. São os clássicos. E no Baretto você sabe que nosso forte são os clássicos. A nossa clientela vem mudando bastante ultimamente e tenho percebido muitos jovens frequentando mais o Baretto, querendo os clássicos, isso é muito legal e comprova que estamos conseguindo atrair esse perfil de cliente.

*Dizem que o melhor Dry Martini de São Paulo é o seu.

Não sei não, viu?! As pessoas falam muito isso, né? Talvez seja pela forma como o Dry é servido com o mini decanter. Acho que já tentaram copiar, mas não teve jeito. Nossa forma de servir o Dry é muito elegante e por isso ele também é muito aceito. Pra ser um bom barman temos que gostar de fazer, não é simplesmente colocar gelo no copo e pronto. Temos que ter o prazer de servir, ter carinho ao fazer o drink. Não é jogar a bebida lá e servir. Pra falar a verdade eu gosto muito do que faço. Tanto que comecei como cumin e voltei para o bar porque gosto muito desse ambiente. Nosso mini decanter ajuda muito na elaboração do Dry. Tanto que alguns clientes esperam que coloquemos na hora o que ficou no decanter, mas explico que essa outra parte precisa permanecer ali justamente pra tomar aos poucos e manter o drink sempre gelado. Não é um drink para beber rápido, é pra demorar e apreciar. Por isso essa forma de servir mantém a bebida gelada do começo ao fim. Deve ser por esse motivo que falam ser o melhor da cidade. Mas tem que ter meu toque pessoal também! Alguns bartenders colocam só algumas gotas de Noilly Prat ou até jogam pra fora, eu já deixo o Noilly Prat no drink mesmo, pois vermute tem que estar no Dry Martini (costumo deixar de 5 a 10 ml no que eu preparo).

*Me fala um pouquinho de sua vida profissional antes do Baretto.

Comecei a trabalhar com o chef francês Emmanuel Bassoleil no seu restaurante Roanne - se não me engano em 1992, logo quando cheguei em São Paulo; meu irmão já trabalhava lá na época. Era um restaurante francês bem famoso e badalado. Comecei como cumin no bar, depois fui para o salão, virei garçom, só que eu não gostava de salão, pra ser sincero, nunca me identifiquei, então voltei para o bar, fiquei mais um tempo até sair do Roanne e começar num restaurante Tailandês, também no bar, em torno de 1998. Nesse momento, meu irmão, Cícero, já estava trabalhando no restaurante Parigi e seu Rogerio Fasano comentou que abriria o Baretto, na rua Amauri - eu nem conhecia esse tal de Fasano na época! (rimos muito nessa hora). Aproveitei a oportunidade e fui trabalhar ao lado do grande profissional Célio Freitas (que hoje gerencia o Gero Brasília), ao seu lado como cumin. Tempos depois o primeiro Hotel Fasano abriu em São Paulo (2003) e vim direto para cuidar do bar, enquanto o Célio era promovido a Gerente. São pouco mais de 20 anos de Baretto, é uma vida, e como qualquer trabalho, encontramos épocas melhores e piores. Ficar 20 anos num mesmo lugar não é sempre um mar de rosas, né? Encontramos os espinhos também. Mas é ótimo estar no Baretto. Hoje em dia vejo que as pessoas não ficam mais tanto tempo no mesmo emprego. Eu passei por poucos lugares na minha vida profissional e lógico que isso tem seu lado positivo e negativo também.

*Você ainda se inspira em alguém do mundo da coquetelaria?

Olha, eu admiro algumas pessoas como o Mestre Derivan de Souza, há muito tempo, um cara simpático e humilde; respeito muito também o Kennedy Nascimento e embora o conheça pouco, sempre o respeitei e o admiro pela sua história, o que já fez e conquistou. Inclusive estou tendo aulas com ele na ABS (Associação Brasileira de Sommeliers): ele me convidou para esse curso e fiquei muito contente. Tenho aprendido bastante neste curso, porque sempre há coisas novas para aprender na vida como um barman. O convite veio em boa hora pois eu já sentia que precisava dar uma renovada no meu conhecimento. Inclusive tenho alguns projetos com o Kennedy pra realizar no futuro, quero fazer um Guest Bartender com ele.

*Você já se enxergou trabalhando atrás de outro balcão que não seja o Baretto?

Acho que quando eu sair do Fasano não vou trabalhar em outro lugar, porque não quero outro balcão se não for o meu. Não sabemos o dia de amanhã e embora alguns clientes falem que querem abrir um bar só para me levar, eu tenho esse sonho de ir embora para minha terra. Por enquanto não me vejo trabalhando em outro bar que não seja o Baretto, se não for o meu.

*Que bar no mundo não conhece e tem vontade?

American Bar do Hotel Savoy, em Londres, onde é o berço da coquetelaria, de onde saem livros, conhecimentos, referência. Se eu pudesse iria sem pestanejar. O American Bar sempre foi uma referência enorme pra mim. Se eu ganhasse na Mega Sena, hoje, seria o primeiro lugar para onde eu iria! Outro lugar que valeria a pena para eu conhecer seria o Dante, que ganhou ano passado como o Melhor Bar do mundo, em Nova York, até cheguei a conhecer e servir o dono no Baretto uma vez.

*Consegue tempo pra sair em São Paulo?

Meu tempo é curto, minha esposa trabalha no Gero Panini e preciso cuidar dos meus meninos e levá-los para a escola durante o dia. E o horário do Baretto é tarde, saio de madrugada e fico sem tempo. Minha única folga é aos domingos quando os bares estão fechados. Quando saio é mais para um programa familiar. Mas, pra quem trabalha em bar, a gente gosta mesmo é de ir em boteco! Nunca fui de visitar meus amigos de bares. Não sou esse cara que sai pra ir no Guilhotina ou no Frank, bar do Spencer. Tenho muita vontade e convite mas não tenho tempo. Mas antigamente eu ia muito no Genuíno na Vila Mariana e também na lanchonete de um amigo na Rua Tutóia, era um boteco mesmo, nada sofisticado.

*Sem poder trabalhar, o que você tem feito para não sentir falta do bar?

Estou trabalhando numa nova ficha técnica e resgatando drinks clássicos antigos, já escrevi mais de 4 mil linhas sobre isso. É um exercício importante inclusive para o meu conhecimento como profissional e não somente para o bar. Estamos remodelando o cardápio do Baretto para deixá-lo mais enxuto, priorizando os clássicos conhecidos mundialmente e introudzindo uma carta pequena de sugestão da casa com drinks rotativos que eu mesmo vou escolher e trocar. Hoje, o que nosso cliente quer e conhece é Dry Martini, Negroni, etc, mas quero apresentar outros novos drinks para essa clientela, porque existem milhares. Quero colocar na carta esse drink criado nos anos 1700, por exemplo, e poder apresentá-lo ao cliente, servir e falar sobre sua história, de onde veio, ou seja, levar cultura para o cliente que já é bastante viajado e gosta de saber mais. Nessa nova carta vou poder criar um ou outro drink, criações minhas mesmo, mas lógico que com a base clássica do Fasano.

Comentários

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Matos
Confesso que por vezes faltou o fôlego,muito legal emocionante
Matos
Trabalho com o meu amigo Walter Bolinha desde 2003 e sei que ele é uma das pessoas mais humildes que conheci na vida
Maria ines
Qur conversa gostosa,e ele quer voltar para sua terra Adorei
Marco Antonio Wanderley Cavalcanti
Conheço e considero que sou amigo de longas datas de um irmão do WALTER BOLINHA, mas agora (depois de mais uma excelente matéria que leio sobre ele e sua trajetória, sinto a necessidade de conhece-lo, de ir ao seu BAR em Areia e sentar,, juntamente com seu irmão João Alves, ao balcão (ou numa mesa próxima) para degustar seus drinks e algumas de suas histórias.
Aguarde-me!!!

Kadu
Parabéns meu amigo conheço bem a sua história, e foi com muito trabalho e dedicação que você é hoje para um exemplo, e como eu lhe disse ontem: hoje você é estrela.
Monique
Ah que delícia de texto, impossível não se apaixonar pela simplicidade e sabedoria do Bolinha! E não sei bem porquê ....mas bateu uma saudade e vontade imediata de um clássico simples do passado, Piña Colada!
Saudades do delicioso Roanne também, que frequentava com meus pais...legal saber que o iníco da carreira foi lá!
Giorgio
Drinks fabulosos e atendimento fantástico. Torço para que seus sonhos se realizem!!
Situações como a que você passou são mesmo um recomeço!!! Viva bem e com alegria!!!
Clébio Mendes
Show esse sabe o q faz parabéns meu brother
Clébio Mendes
Show esse sabe o q faz parabéns meu brother
Carlinhos Ribeiro
Sem palavras, um grande profissional, um talento atrás do balcão, um ser maravilhoso. Bolinha, parabéns pelo seu trabalho e pelo belíssimo profissional que é. Sucesso e muitas realizações para você meu caro amigo. Abs.